A BACIA HIDROGRÁFICA ENQUANTO UNIDADE BÁSICA PARA O PLANEJAMENTO AMBIENTAL
Rafael Fernandes da Silva
geonandes@gmail.com
DGEO/UEPB
Segundo Andreozzi (2005), os rios são marcas na
paisagem e é muito provável que o conjunto de elementos da unidade territorial
representada pela bacia hidrográfica tenha sido uma das primeiras
percepções. As transformações
ocasionadas pelo fluxo hídrico tanto em seu período de cheias, quanto no
período de estiagem, são inevitáveis, bem como seus impactos sobre as
comunidades locais ao longo do curso dos rios.
As bacias hidrográficas estão historicamente
ligadas à humanidade, presentes no cotidiano e representando referências
espaciais. É preciso, no entanto, destacar que as bacias hidrográficas podem
abranger várias regiões, assim como uma região pode conter várias bacias
hidrográficas. O exemplo de regiões definidas por bacias hidrográficas pode
ser: a bacia Amazônica (América do Sul), a bacia Platina (América do Sul), a
bacia do Nilo (África), bacia do Congo (África), bacia Indo-gangética (Índia),
bacia do Tigre e Eufrates (Iraque), a bacia do São Francisco (Brasil), bacia do
Mamanguape (Paraíba) e por último a bacia do Curimataú (Paraíba e Rio Grande do
Norte), que são regiões importantes do ponto de vista geopolítico global, nacional
e local, pois as águas que drenam as áreas por elas percorridas impulsionam o
desenvolvimento das atividades econômicas que proporcionam o desenvolvimento da população que habita em seus espaços.
Guimarães (1993) em seu trabalho sobre a divisão
regional brasileira classifica a bacia hidrográfica como uma das chamadas
unidades elementares para o processo de regionalização. Nesse contexto a bacia
hidrográfica pode ser entendida como unidade fisiográfica que condiciona o
povoamento de determinadas áreas, devido às formas dos rios, os padrões
fluviais e também as formas de relevo que são esculpidas pelos rios.
A discussão sobre a conceituação da bacia
hidrográfica trata de aspectos distintos em relação aos elementos conceituais,
portanto, sendo utilizados termos como bacia de captação, bacia de drenagem,
que estabelecem o mesmo sentido, o da definição da bacia hidrográfica em todo
seu sistema de bacias e sub-bacias.
Christofoletti, em sua obra “Geomorfologia”,
publicada inicialmente em 1974 e posteriormente reeditada, escreve que:
A
drenagem fluvial é composta por um conjunto de canais de escoamento
inter-relacionados que forma a bacia de drenagem. Definida como a área drenada
por um determinado rio ou por um sistema fluvial. A quantidade de água que
atinge os cursos fluviais está na dependência do tamanho da área ocupada pela
bacia, pela precipitação total e de seu regime, e das perdas devidas à
evapotranspiração e à infiltração (CHRISTOFOLETTI, 1980, p. 102).
Para Guerra (1993) a bacia de drenagem consiste em
um conjunto de terras drenadas por um rio principal e seus afluentes. Nas
depressões longitudinais se verifica a existência do lençol de escoamento
superficial, que resulta no lençol concentrado – os rios. A noção de bacia
hidrográfica obriga naturalmente a existência de cabeceiras ou nascentes,
divisores d’água, curso d’água principal, afluentes, subafluentes, riachos e
pequenos córregos.
Lanna (1995, p. 51) ao escrever sobre bacias
hidrográficas ressalta que:
A bacia hidrográfica pode ser
considerada um quebra-cabeça composto de micro e pequenas bacias, sujeito a
atividades difusas e concentradas, mas que além da complexidade intrínseca da
inter-relação entre as partes e o todo, apresenta variabilidade temporal com os
elementos de imprevisibilidade, ou seja, trata-se de uma quebra-cabeças que
assume configurações distintas e imprevisíveis (LANNA, 1995, p. 51).
Nesta definição estão contidas interessantes
variáveis, como a variável temporal, presente através das dinâmicas que impõem
ritmos diferenciados e não contínuos às relações entre as partes integrantes do
sistema, assim como alerta para a imprevisibilidade sempre presente nestes
sistemas.
A unidade funcional representada pela bacia
hidrográfica pode ser estudada não apenas em seus processos físicos, mas também
pelas relações humanas desenvolvidas nesse meio e a interinfluência dos mesmos.
A bacia de captação é um sistema que tem uma
conformação espacial que lhe confere a possibilidade de encaminhar os fluxos
líquidos (ocorrentes ou não) para um nível de base. A conformação espacial
desta unidade pode ser dividida em subunidades com níveis de base
relacionados, sistema que é fronteiriço
a outros sistemas similares, fazendo parte de um sistema maior. Esta unidade é
construída pela ação das forças endógenas, tais como estrutura geológica,
sistema de aquíferos; e exógenas, pluviometria, composição florestal e as
atividades antrópicas que são responsáveis pela modelagem do relevo terrestre.
A bacia de drenagem pode ser considerada como uma
unidade onipresente na paisagem terrestre, nas muitas variações permitidas
pelas combinações dos elementos responsáveis tanto por sua aparência, quanto
por seus fluxos. Desse modo é possível partir do pressuposto de que toda porção
emersa de terras do globo faz parte de algum tipo de bacia de drenagem.
Troppmair
(1998, p. 4) destaca a importância das relações estabelecidas entre os
elementos para estruturação sistêmica, ao escrever que: “O conjunto
representado por uma bacia hidrográfica é composto por elementos do meio
natural e antrópico, cujos atributos e as relações estabelecidas entre estes
elementos, definem as estruturas do sistema”.
Conforme
Tundisi (2003, p. 24) a bacia hidrográfica pode ser considerada:
A unidade
geofísica bem delimitada presente em todo o território, em várias dimensões,
apresenta ciclos hidrológicos e de energia relativamente bem caracterizados e
integra sistemas a montante, a jusante e as águas subterrâneas e superficiais,
(TUNDISI, 2003, p. 24).
Cabe
ressaltar que mesmo com a possibilidade de isolar a bacia hidrográfica ou mesmo
alguns de seus componentes para estudo, deve-se considerar a sua integração a
outros sistemas, pois a perspectiva sistêmica possibilita estas interações de
funcionamento enquanto todo e enquanto parte. É importante também a inclusão
das águas subterrâneas integradas à bacia hidrográfica pelo ciclo hidrológico,
do qual participam, além de interagirem com outros elementos da bacia.
Rebouças
(2004, p. 76) define esta unidade como sendo:
Um
sistema físico que define uma captação das águas precipitadas da atmosfera,
demarcada por divisores de água ou cristas topográficas onde toda a água que
flui nesta área e converge para um ponto único de saída, “o exutório”, (REBOUÇAS, 2004, p. 76).
Portanto,
bacia hidrográfica é um sistema bem caracterizado, identificado pela entrada e
saída de energia (através da precipitação atmosférica), pela circulação intensa
deste material (o escoamento superficial) e por sua saída (que em um curso superficial
corresponde a sua foz). Este sistema individualizado para facilitar
a análise, pode ser considerado um subsistema, quando inserido em outro
sistema, sendo influenciado e influenciando através dos fluxos que se
estabelecem entre os atributos das bacias e sub-bacias.
O desenvolvimento de
conhecimentos sobre o funcionamento das bacias hidrográficas, de seus atributos
e das relações estabelecidas entre eles, assim como as inter-relações entre
bacias e sua inserção nos sistemas globais, tem demonstrado sua importância
enquanto unidade territorial em todas as escalas.
De
acordo com Brasil (1997), a bacia hidrográfica constitui a unidade territorial
para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, e para tanto se
admite o conceito de que uma bacia de drenagem não compreende apenas rios e
lagos, mas todo recurso hídrico superficial e subterrâneo nela existente. Além
disso, é necessário considerar que o conjunto de fatores naturais e sociais e
atividades humanas que interagem, condicionando a quantidade e qualidade da
água, encontram-se englobados em seu perímetro.
Conforme
Botelho e Silva (2004), a bacia hidrográfica vem sendo utilizada enquanto
unidade de estudo na Geografia Física desde os fins da década de 1960, por ser
esta entendida como célula básica da análise ambiental, permitindo avaliar seus
diversos componentes e os processos de interação que nela ocorrem.
A
bacia hidrográfica denota o conceito de integração ambiental, sendo que o seu
uso e aplicação para estudos que tratem de problemas ambientais são
considerados de fundamental importância, pois a mesma contém informações
físicas, biológicas e socioeconômicas inter-relacionadas (MORAES, 2003, p. 2).
Para
Ross e Del Pette (1998), a bacia hidrográfica não deve ser considerada apenas
em seus aspectos físicos, mas existe a necessidade da elaboração de uma
política que contemple seus aspectos naturais, bem como os aspectos
socioeconômicos, considerando sua
inserção regional e articulação com os problemas de âmbito nacional, pois tais
aspectos não podem ser manejados satisfatoriamente, de maneira isolada e
independente.
A
ideia inserida na afirmação dos autores supracitados consiste no fato de que é
necessário se planejar as ações a serem desenvolvidas em bacias hidrográficas e
ao fazer o planejamento, levar em consideração não apenas os recursos naturais,
mas também os aspectos socioeconômicos, bem como os impactos sobre os
mesmos.
O planejamento ambiental surgiu a partir da
década de 1980 como um mecanismo para orientar as intervenções humanas no meio
ambiente, em função de capacidade-suporte dos ecossistemas. Logo se pode
considerar como planejamento ambiental, toda forma de planejamento que tem por
princípio a valoração e conservação dos recursos naturais como base de
autossustentação da vida e das interações que a mantém – suas relações
ecossistêmicas (FRANCO, 1997).
Segundo
Almeida et. al. (1993), os
pressupostos básicos para o planejamento ambiental são três: princípios da
preservação, recuperação e conservação do meio ambiente. O primeiro princípio
estabelece que os ecossistemas naturais devam permanecer intocados – áreas de
Reserva Biológica e bancos genéticos de interesse com notável potencial.
O
princípio da recuperação é aplicado às áreas ocupadas pela atividade humana,
onde se procura acelerar determinados processos ecológicos ao mantê-los
intocáveis durante certo período de tempo. A conservação ambiental pressupõe o
usufruto dos recursos naturais sem destruir ou depredar a fonte de origem de
alimento ou energia. Nesse contexto o conceito de conservação ambiental está
diretamente ligado ao conceito de desenvolvimento sustentável, enquanto forma
de manter a integridade dos ecossistemas e do planeta.
Segundo
Moraes (2003), para realizar o planejamento de uma bacia hidrográfica torna-se
necessário o levantamento dos atributos físicos da área, tais como, clima,
geologia, relevo, solos, rede de drenagem e cobertura do solo. Mas geralmente
esse levantamento não se encontra disponível, e deve então ser elaborado com a
devida atenção para que se possa garantir um nível de detalhamento equilibrado
entre as variáveis físicas adotadas.